Rubrica – A Casa do Séc. XXI – #5 Espaços de Descanso da Habitação

Casa J, em Albergaria-a-Velha, do atelier Frari, com imagem de Ivo Tavares Studio.

O espaço privado de excelência da habitação é o espaço de descanso. O quarto assume, por isso, uma necessidade de organização e distribuição totalmente distinto dos outros espaços. Pretende ser um espaço de conforto e privacidade, que proporcione a intimidade desejada no momento do descanso, mas que permita também outros usos como estudar, vestir, brincar, trabalhar ou até conviver, como se verifica sobretudo nos quartos para os mais jovens, já que são a faixa etária que durante mais horas utiliza este compartimento.
“Dentro da habitação a sala é a divisão onde grande parte dos portugueses passam mais tempo (94%), seguido do quarto próprio (83%) e da cozinha (81%) (…) Já os jovens dos 18 aos 24 anos referem o seu quarto em primeiro lugar (59%).”
Isto acontece por causa do sentido de pertença daquele espaço, o único que é só deles.

Mas esta necessidade de polivalência do quarto pode também ser desenvolvido por adultos, em casos específicos como de casas partilhadas por exemplo, onde o quarto é entendido como o único espaço de propriedade individual, o que suscita a sua utilização para outros fins que não só dormir.
Desenhar um quarto pressupõe, por isso, a articulação de critérios diversos que transcendem o ato de descansar. A versatilidade destes espaços requer um tratamento específico no que toca à iluminação, por exemplo, que deve permitir um quase, ou mesmo total, encerramento luminoso para as horas de descanso e, por outro lado, uma boa iluminação natural, capaz de satisfazer as outras necessidades mais ou menos excecionais.
A diminuição das áreas de habitação não pressupõem a desistência das áreas destinadas a estes usos secundários dos quartos, uma vez que com recurso a mobiliário adaptável é possível tornar um pequeno quarto numa área de perfeita combinação de vários usos. Para tal apenas é necessário fazer “desaparecer” o elemento de maior dimensão: a cama.
“(…) cama futon é completamente desfeita toda manhã, e refeita toda noite. As casas japonesas são notoriamente pequenas e compactas, o espaço é muitas vezes é um privilégio. Dessa forma, a cama futon é planejada para ser precisamente dobrada, junto com o edredom e travesseiro, inclusive. A cama é então guardada em um armário ou guarda-roupa para que o quarto possa ser usado para outras atividades durante o dia.”

Pelo contrário, quando temos habitações de maior dimensão tende-se a construir mais quartos dos que realmente seriam necessários, resultando em compartimentos obsoletos e pouco utilizados.
Para inverter uma situação idêntica, o projeto da Casa J alterou a configuração espacial do volume dos quartos. Não só a suite principal foi alvo de uma total reformulação, como também foram intervencionados os outros três quartos pré-existentes, que foram transformados em apenas dois, cada um devidamente composto por um compartimento de vestir e por uma instalação sanitária privada.

A eliminação do quarto-de-hóspedes, que há muito não era utilizado, permitiu transformar os dois pequenos quartos infantis em compartimentos verdadeiramente capazes de satisfazer as necessidades daquelas crianças em crescimento e desenvolvimento.
Entre a zona de descanso e a zona de vestir foi desenhado um mobiliário fixo destinado ao estudo, com a devida arrumação necessária. Este é um elemento que acompanha a transição para o closet, através de um corredor que acompanha um grande vão envidraçado, com vista para o jardim, mas que é passível de ser encerrado através de duas camadas interiores, sendo a primeira um blackout que bloqueia totalmente a luz exterior, e uma segunda camada feita por uma cortina cujo tecido permite a passagem parcial das vistas e luz, tornando flexível o usufruto daquele vão exterior.
Entre a zona de vestir e a instalação sanitária existe apenas um plano de vidro translúcido, que proporciona um ambiente unitário e remata o conjunto daquele compartimento privado.

Pensar o espaço de descanso da habitação é entende-lo como “o cofre dentro do banco”, um espaço que deve ser devidamente protegido da potencial confusão dos espaços comuns da habitação, mas preparado para servir todos os nossos momentos íntimos, não só dormir, como ler, tratar da nossa beleza, ou mesmo namorar.”

Texto de: Maria Fradinho